MÍDIA: Portais
VEÍCULO: O GLOBO
CATEGORIA: CLIMA E MEIO AMBIENTE
ORIGEM: MATÉRIA
TIPO: ESPONTÂNEA
DATA DE PUBLICAÇÃO: 2025-07-30
VALOR: R$ 864,29
ENFOQUE:

Ondas de 4 metros durante ressaca no Rio têm relação com tsunami na Rússia?

Fenômenos naturais podem assustar, principalmente quando não se sabe como se formam e suas consequências. Não é a primeira vez que a ressaca do mar no litoral do Rio de Janeiro avança em direção a ruas e prédios, como ocorreu na noite da última terça-feira. Ainda assim, pode pegar moradores e visitantes de surpresa, embora a Marinha do Brasil avise com antecedência sobre a magnitude das ondas — que até as 21h de quinta-feira (31) pode ter novos registros de até 3,5 metros.

Na noite de ontem, essa marca foi superada, com registro de ondas de até 4 metros no Rio. No mesmo período, um terremoto de magnitude 8,8 na costa da Rússia, na Ásia, provocou ondas do tsunami. Os dois locais ficam a milhas de distância, e com registros quase que simultâneos, não têm como estarem relacionados. Em terrar fluminenses e cariocas, o mar agitado é consequência de um ciclone extratropical no sul do Brasil, e que já se afasta da costa, indo em direção a alto-mar, perdendo força.

Mas o que provocou uma ressaca mais forte do que as registradas este ano no Rio? Entenda os principais pontos desse fenômeno.

Como acontece uma ressaca?

A ressaca é um fenômeno natural, com aumento da força das ondas do mar em direção ao continente. A direção dos ventos pode ajudar a potencializar ou diminuir esse alcance. No caso da última noite, a formação e a permanência de um ciclone no mar, mesmo que fora do Rio de Janeiro, aumentou as dimensões das ondas.

— A onda é gerada por vento. Quando chega no litoral, seja pequena ou grande, em algum momento teve algum vento no meio do mar. Como foi esse caso, um ciclone extratropical, são ventos fortes que atingiram mais de 100 km/h, atuaram com uma depressão atmosférica grande e por muito tempo. O ciclone tem dias de duração no meio do mar, provocando uma série de ondas que vão ficando cada vez maiores. Toda essa água vai sendo comprimida contra o litoral. Então é natural que o nível do mar aumente, que a gente chama de maré meteorológica, levando toda essa massa de água. Somado às alturas das ondas, tudo isso contribui para o que está acontecendo em vários lugares na costa, que é a invasão do mar na terra — explica o oceanógrafo e professor da Uerj Marcelo Sperle.

Como um tsunami acontece, e o de ontem, na costa da Rússia, impactou o Rio?

Na tarde de ontem, terça-feira, a Avenida Delfim Moreira no Leblon foi fechada em ambos os sentidos devido à ressaca do mar. A cena não é comum, nem todas as vezes a força da água exige tal medida, mas também não é inédita. Horas depois, um terremoto de magnitude 8,8 graus na costa da Rússia gerou também um tsunami, levando alerta para diversos países, todos banhados pelo Oceano Pacífico, o que não é caso do Rio de Janeiro que, do outro lado da América do Sul, tem no litoral o Oceano Atlântico. A cobertura de um tsunami podem ser prolongada, embora, a depender da distância, os impactos mal possam ser sentidos, e apenas dias depois.

— O tsunami é uma onda gerada pelo deslocamento do fundo do mar, por um tremor. Não tem nada a ver com uma onda sísmica, mas sim porque o fundo do mar se abate ou sobe repentinamente por conta de uma falha geológica, e esse deslocamento do fundo do mar que gera essa massa que provoca a onda — resume Marcelo Sperle. — Outro caso pode ser quando há o desmoronamento de parte de uma geleira, que causa uma grande onda, o que é bem diferente de uma ressaca, que tem uma série.

Esse ciclone pode gerar novas ondas que ultrapassem 3 metros?

O período de ressaca, que teve início na manhã de ontem, terça-feira (29), e segue até quinta-feira, ocorreu devido a um ciclone extratropical no mar, que segue se afastando da costa do Brasil e, com isso, tem sua influência reduzida. Nos últimos dias, os ventos fortes foram consequência desse fenômeno, formado pelo contraste térmico intenso. A tendência é de uma diminuição gradual, explica Hana Silveira, meteorologista da Climatempo:

— Esse ciclone se desenvolveu na altura da Região Sul do país. Ele não avança para o Rio de Janeiro. Ele fica posicionado na altura do Sul do país e vai se afastando cada vez mais para o mar e, no momento, ele já está bem mais afastado, por isso os ventos que a gente espera para a cidade do Rio, de maneira geral, são mais fracos do que os observados nos últimos dias. A gente pode ainda ter algumas rajadas de até 50 km/h hoje na maior parte do estado, com exceção da Região dos Lagos que ainda pode ter, eventualmente, ventos de até 70 km/h.

Como as ondas ganham força?

O oceanógrafo Marcelo Sperle explica como as ondas podem ter força o suficiente para encobrir a faixa de areia, tomar calçadão e pistas do trânsito até chegar nos prédios, como aconteceu na Avenida Delfim Moreira, no Leblon.

— Alguns ciclones, além de serem muito intensos, são duradouros, se prolongando por dias. Um grande comprimento de ondas, como as largas durante os ciclones, tem o poder de invadir o continente mais do que uma onda esbelta, que é muito curta, e isso contribui que avance mais. A altura reflete a energia que vai ser dissipada. A parede de água, quando cai, gera a energia. Há ainda o comprimento da onda que, às vezes, pode importar mais. Ele é medido de quanto tempo a onda leva para passar. Aqui no Rio é de 8 a 10 segundos, essas de ontem foram de 14 segundos. Existem registros em outras ocasiões de 16 segundos. A ressaca que já tivemos aqui vêm com o comprimento de onda.

Tem como frear uma ressaca?

Os especialistas destacam que cidades que estão a beira-mar precisam adotar planos para lidar com períodos de ressaca e implementar políticas que resgatem proteções naturais contra o avanço das águas. Uma vez que não é possível mover os prédios para longe do mar, alternativas como aumentar a faixa de areia em alguns pontos — como na Praia do Leblon, na Zona Sul do Rio, que sofreu com perda de área ao longo dos anos, de retirada natural ou por fator humano — e retornar com a vegetação característica podem ser aliados para evitar ou minimizar episódios como este.

— As ondas são grandes, e o mar invade a terra, chega às pistas, atinge tudo o que está ali, e que não deveria estar. Nós construímos em cima das áreas que eram restingas, dunas e manguezais. O ser humano construiu em cima dessas regiões, e quando os fenômenos acontecem, não tem proteção. Se isso fosse conhecido há 400 ou 500 anos, teria deixado pelo menos uma faixa de 200 metros do mar sem nenhuma construção, que se evitaria essa destruição. Hoje, 98% de impactos e destruição que vemos na orla é porque nós, seres humanos, invadimos uma área de amortecimento, e quando vem essas épocas de ressaca, não tem mais a proteção natural. Desde o século XVIII há registros de ressaca aqui no Rio — salienta Marcelo Sperle.

Nathan Lagares, pesquisador do Instituto Mar Urbano, destaca que é necessário pensar na cidade de acordo com a natureza, uma vez que fenômenos vão continuar a acontecer. Ele não vê, hoje, as ressacas estando ligadas a mudanças climáticas, e sim percebe seus efeitos a partir da forma de ocupação e crescimento. Ele destaca como, estando num mesmo litoral, cada trecho da orla acaba por se comportar de forma diferente.

— Não estamos preparados urbanisticamente falando. Foram retiradas proteções naturais para o impacto dessas ondas. E isso é o ponto principal no Leblon, por exemplo, onde com uma faixa de areia curta, qualquer impacto mais intenso pode gerar um dano. Hoje, Ipanema tem o replantio de restinga. Isso é fundamental para aguentar esse impacto. Copacabana não tem a mata, mas tem a faixa de areia extensa, e isso ajuda a conter esse avanço. E parte dela é protegida pela área onde está o forte. Já a orla do Leblon e de São Conrado, são mais abertas.

Hoje, o Instituto E e o Mar Urbano têm uma parceria para o replantio de vegetação nativa na orla de Ipanema, numa forma de retornar e preservar esse ecossistema de transição.

— A gente fala muito sobre favelas, mas mesmo o crescimento ordenado não é pensado para fenômenos naturais, e áreas assim vão sofrer as consequências uma vez que estão vulneráveis às mudanças climáticas também. Da mesma forma que temos que pensar nesse ordenamento, temos que pensar em urbanização e como impactam o meio ambiente — aponta Lagares.

Sperle destaca a necessidade de criação e implementação de planos de emergência climática. Hoje, com a possibilidade de prever períodos de ressaca com antecedência — e neste não foi diferente, com aviso dias antes — deves-se ter ações para diminuir o impacto e evitar prejuízos, isto com medidas simples, como interditar áreas com antecedência e fazer a retirada de equipamentos urbanos móveis.

— A gente consegue prever esses fenômenos com uma antecedência muito boa, o que pode ajudar em organizar as equipes e tomar uma série de ações que possam minimizar esses efeitos. Vimos uma lixarada invadindo a cidade, latas de lixo rolando e quebrando, vários materiais dos quiosques, guarda-sol, tudo sendo levado. Tinha que ter retirado tudo isso, ter interditado pelo menos uma das pistas de rolamento antes das ondas alcançarem. Na limpeza, pegar essa areia e guardar para depois repor na própria praia. Os prédios terem comportas para a água não entrar. É uma adaptação climática. Existem fenômenos da natureza tão potentes, que sempre existiram, e que temos de nos adaptar — afirma o oceanógrafo.

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